quinta-feira, 20 de março de 2008

Descanso

Qual será o limite entre a possibilidade de adaptação a uma situação difícil e a morte? Qual a linha de separação entre a esperança ou a resignação?
Eu sou enfermeira e garanto-vos que a minha pouca experiência já me permite dizer-vos que sou completamente a favor da eutanásia. Basta ter a capacidade de me colocar no lugar de alguns doentes que já passaram por mim. Não falo do velhinho de 87 anos, que apesar de ter dores ainda se ri, ainda conta historias e espera todo o dia pela hora da visita. Nem falo de um jovem de 20 anos que sofreu um acidente ficou paraplégico e tem um longo caminho de recuperação. Para estes estamos cá nós. Para os ajudar, os reinserir na sociedade adaptados à sua nova situação. Eu falo daqueles que só de olharmos para eles o nosso coração fica pequenino. Daqueles que já não há muito a fazer, que ficarão assim, ausentes para sempre.
Ontem cuidei várias horas de um doente. Muitas, muitas horas. Um Sr. Que caiu de uma altura de 6 metros, fez um traumatismo craniano grave e a sua vida mudou para sempre. Gritou horas seguidas. Já não sabia mais o que lhe fazer. É assim todos os dias e todas as noites. Não faz absolutamente nada sozinho, não esboça um sorriso para ninguém e só grita. Tem um olhar ausente e frio. E não há a mínima esperança de recuperação. É ele que é um doente difícil ou serei eu a enfermeira insensível que pensa que o melhor alívio que lhe podia dar era a morte?
Perguntam-me se seria capaz?
Dorme em paz Manjeriquinho. Digo-lhe eu quando lhe administro o sedativo. E depois imagino-o a ganhar asas. A olhar lá de cima para mim e agradecer-me… se dependesse de mim eu ajudá-lo-ia a dormir em paz por muito muito mais tempo.

7 comentários:

Anónimo disse...

Estou encantada com o teu blog e com as tuas histórias...Tenho muitas saudades tuas! Adoro-te maninha!!! Fica bem e Feliz...
Bábá

Maglor disse...

Cuidado com o que algumas pessoas poderão vir aqui ler no teu Blog.
Eu concordo com isso tudo que disseste, e até me apetece dizê-lo: mais que ninguém. Mas de mim não são esperadas responsabilidades dessas no meu emprego.

Um blog não é uma cortina de ferro...e não quero que penses que isto é apenas um conselho "maricas", vindo de alguém que se calhar tem medo de dizer aquilo que pensa. E sabes que não o sou.

***

Anónimo disse...

Passarinho do Norte que está transitorio no Sul. Adoro o seu blog e como lhe disse tenho todos os dias vindo espreitar e deixar o meu comentário mas como sou BACOUCA não fiz como me explicou. A ver se é desta! Os seus relatos comovem-me sempre e a lagrima salta do olho. Só queria estar a seu lado para lhe dar um grande beijo e dizer que o que escreve só pode partir de alguem muito raro, por ser tão profundo, tão humano, tão sensível tão...perfeita para a profissão que escolheu e tão especial para mim! Bem haja DI!

Anónimo disse...

Não resisto e voltei trás. Apesar das lagrimas me correrem pela cara penso que lhe tenho a dizer como é lindo que alguem que já não tem hipoteses de recuperação, que sofre pudesse adormecer tranquilamente...E é Páscoa! Mil beijos. BACOUCA

Anónimo disse...

Vim cá parar através do blog da Natacha e encontrei uma enfermeira tão gira. :)

Eu estudo enfermagem em Viana; estou no segundo ano. Penso muitas vezes na eutanásia, nas pessoas que a pedem... A questão que lateja na minha cabeça resume-se sempre a isto: como é que podemos "obrigar" alguém a viver?

Gostei de passar por cá :)

Um beijo.

Pikuz disse...

Lindo!

Relatos que nada me surpreendem devo dizer... e nao e das situacoes que falo... e da forma com as vives e as retratas! Es um orgulho para mim, Sra. Enfermeira :)

Ja agora concordo ;)

Beijos,
David

Alecrim disse...

Eu não concordo. Embora entenda, e de forma alguma condene quem assim pensa.

 
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