segunda-feira, 31 de março de 2008

Eu hoje.

Bom dia Sr. J.
- Eu hoje.
Dormiu bem?
- Eu hoje eu hoje eu hoje.
Este doente lá do centro é um amor. É muito carinhoso e comunicativo. As únicas palavras que utiliza para se expressar verbalmente com o mundo são apenas duas: eu e hoje.
Fala com a mulher ao telemóvel durante muito tempo e eu penso como o amor entre dois seres humanos os torna tão transparentes um para o outro. Conversa sempre muito com ela antes de dormir e eu oiço da sala de enfermagem: eu hoje eu hoje, eu hoje hoje eu hoje, eu hoje eu hoje, eu.. hoje, eu hoje.
Quando ela está lá no serviço falam muito! Ela entende tudo o que ele diz. Observa-o e interpreta-o. Depois traduz-me. :)
Mas ela hoje não estava lá. E a meio da manhã o Sr. J. fugiu do ginásio, devagarinho na sua cadeira de rodas e veio ter comigo ao internamento.
- eu hoje eu hoje eu hoje eu hoje.
Então Sr. J que se passa? Tem sede? Dor?
- eu hoje eu hoje eu hoje eu hoje.
Começo a corar.
Tem que ir pró ginásio são horas de trabalhar, vamos lá eu vou consigo.
Travou a cadeira de rodas e continuou.
- eu hoje eu hoje eu hoje! Eu hoje.
Fez cara triste.
EU HOJE EU HOJE EU HOJE!
Caraças!
(A maioria dos meus doentes tem muitas incapacidades. E esta da fala, ou da falta dela é muito difícil de ser superada. Isto porque a maioria também não consegue escrever, nem coordenar os movimentos da mão de forma a fazer um desenho. É difícil por isso compreende-los, saber exactamente o que precisam. E se no início de um turno fazemos de tudo para ir adivinhando, há alturas em que a quantidade de trabalho e por isso a falta de tempo, não nos deixa muitas alternativas. Aqui cresce uma agonia dentro de mim. Isto porque eu não sei se eles tem noção de que não conseguem verbalizar mais do que uma, duas palavras.)
Assim sendo resolvi deixar o S. J guiar me. E disse-lhe:
Vamos a procura do que lhe faz falta. Pus-lhe a mão no ombro e seguimos caminho os dois rumo ao quarto.
Apontou para a gaveta. Abri. O carregador do telemóvel!
Parece tão fácil não?

sexta-feira, 28 de março de 2008

Quem nasce trenga, trenga permanece.

Quem me conhece sabe que nunca gostei de conduzir. Pois bem, também fui avisada que esta mini fobia seria ultrapassada pela obrigatoriedade de o fazer. Todos os dias, lá vou eu. Se o caminho for o de sempre já vou tranquila, agora se por algum motivo vou à procura do meu destino todos os músculos da minha nuca se prendem:)
Hoje resolvi ir sozinha para Faro.
Enganei-me a por gasóleo. Em vez de” 20 euros” carreguei no “20 litros”. Achei que não foi só distracção minha, é também uma boa forma de enganar os ceguinhos como eu. Mas pronto, paguei e calei.
Perdi-me no caminho. Fiz inversões de marcha em parques de estacionamento. Já em faro senti-me do “faroeste”. Sobe rua e desce rua, quando venho de boleia isto parece tão fácil! Corada suada mas bem disposta, resolvi esquecer o passeio no centro e rumar ao Fórum Algarve.
Estaciono o carro. Fui.
Fiz tudo o que tinha a fazer. A descer as escadas rolantes rumo ao parque de estacionamento já me ria sozinha. É claro, óbvio, que não sei onde deixei o carro.
Vivi 30 segundos de pânico em que me imaginei a regressar para S. Brás de táxi. Mas barata tonta que se digne dá à corda e só pára quando encontra. O que me vale é que tenho tanto de distraída como de teimosa. E normalmente só desisto das coisas quando as encontro.
Agora digo baixinho que amanhã vou outra vez.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Fechar os olhos e imaginar :)

Saio de mais uma noite. Apanho o solzinho da manhã que nasce. Entro no carro. E ponho esta música que dura exactamente o tempo da viagem. Ouço-a alto e voo ainda mais.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Entre nós

Entre o Algarve e o Porto um abraço nos une. Muito amor querido Crista. Estou longe mas estou contigo.

Dormir e muito, por favor.

É delicioso chegar à cama com muito sono e muito cansaço e respirar fundo para um longo sono reparador. Não sei como chamar aquela sensação de se saber que se pode dormir muito quando é o que mais apetece fazer. Prazer, talvez. Mas um prazer imenso!
Foi o que senti ontem. Adormeci às 20h30. Não me lembrava de tal proeza nos últimos 20 anos.
Soube-me tão bem. Acordei recarregada.
Além de muitas outras coisas também adoro dormir. E custa-me trabalhar à noite, desregula-me, faz-me dores de cabeça e borbulhas. Pior ainda… obriga-me a perder manhãs lindas de primavera e deitar-me no escurinho com o sol a brilhar lá fora.
Mesmo assim. Vale tudo a pena. Ah se vale!

sábado, 22 de março de 2008

Bem-Vinda


Adoro a Primavera. Adoro o cheirinho do Algarve.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Descanso

Qual será o limite entre a possibilidade de adaptação a uma situação difícil e a morte? Qual a linha de separação entre a esperança ou a resignação?
Eu sou enfermeira e garanto-vos que a minha pouca experiência já me permite dizer-vos que sou completamente a favor da eutanásia. Basta ter a capacidade de me colocar no lugar de alguns doentes que já passaram por mim. Não falo do velhinho de 87 anos, que apesar de ter dores ainda se ri, ainda conta historias e espera todo o dia pela hora da visita. Nem falo de um jovem de 20 anos que sofreu um acidente ficou paraplégico e tem um longo caminho de recuperação. Para estes estamos cá nós. Para os ajudar, os reinserir na sociedade adaptados à sua nova situação. Eu falo daqueles que só de olharmos para eles o nosso coração fica pequenino. Daqueles que já não há muito a fazer, que ficarão assim, ausentes para sempre.
Ontem cuidei várias horas de um doente. Muitas, muitas horas. Um Sr. Que caiu de uma altura de 6 metros, fez um traumatismo craniano grave e a sua vida mudou para sempre. Gritou horas seguidas. Já não sabia mais o que lhe fazer. É assim todos os dias e todas as noites. Não faz absolutamente nada sozinho, não esboça um sorriso para ninguém e só grita. Tem um olhar ausente e frio. E não há a mínima esperança de recuperação. É ele que é um doente difícil ou serei eu a enfermeira insensível que pensa que o melhor alívio que lhe podia dar era a morte?
Perguntam-me se seria capaz?
Dorme em paz Manjeriquinho. Digo-lhe eu quando lhe administro o sedativo. E depois imagino-o a ganhar asas. A olhar lá de cima para mim e agradecer-me… se dependesse de mim eu ajudá-lo-ia a dormir em paz por muito muito mais tempo.

sábado, 15 de março de 2008

Agradecer

Sempre que passo por momentos difíceis na minha vida penso que vou ser recompensada um dia. Nunca perco a esperança, e mesmo que me esteja nos genes ser dramática nunca duvido da justiça da vida.
A felicidade, o balão tão cheio dentro de mim. Sentir que voo e que as minhas asas me levam onde eu quiser.
Agradeço à vida.
Agradeço a todos os amor que me enviam. Garanto-vos que o sinto chegar até mim a todos os minutos.
Sou feliz:)

quinta-feira, 13 de março de 2008

Segredo

Se puder comparar a saudade a um bichinho que rói, então já tenho um buraquinho no meu coração.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Confusões

Ouve-se no corredor do hospital
"Diana, onde estás?"
Responde o Sr. M. do refeitório.

"Está-me pondo sal nos tomates!"

:)

terça-feira, 11 de março de 2008

Espertices

Trazer de Viana a TV e esquecer o comando.
Ligá-la com fé e achar que tá feito.
Carregar no 1, no 2, 3 e 4
Não funciona.
Ir à loja dos chineses e acreditar que com 4 euros resolvo o problema.
Ir trocar o comando por lápis rascas para pintar os olhos
Ir a uma loja de electrodomésticos pagar 25 euros por um comando universal programado.
Não funciona.
Ir devolver o comando, desta vez com direito a devolução do dinheiro.
Ter comprado uma TV que já não se fabrica e na qual nenhum comando universal funciona.
Adormecer. Acordar por volta da 1h. Estar indecisa entre sonho ou realidade. Mas parece mesmo o som da minha T.V.
Levantar-me.
VITOR COMO É QUE PUSESTE A TELEVISÃO A FUNCIONAR?
“Encontrei os canais sintonizados nos 31, 32 e 34”.
O pensamento do Vítor tem mais força do que o meu.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Branco

Um homem grande e forte. Aparecência cuidada. Geme de dor. Não se mexe, não fala. Não consegue dizer o que tem, onde doi. Grita como pode. Uma voz presa, desesperante. Um olhar sofrido, suor, respiração e batimentos cardíacos acelarados. Pede ajuda com o que resta, grita, chora como pode. Não se sente. Não tem família, não tem um amigo. Não tem roupa, não tem meias, não tem sapatos. Não tem um número de telefone. Não tem telefone.
Uma pessoa de branco vai para perto dele. Põe-lhe a mão no peito e pensa que é mágica. Que qualquer coisa vai percorrer a sua mão e vai chegar até ele.
Não resulta.
Estou aqui diz baixinho. Vai passar diz baixinho. Vou ajudá-lo diz baixinho. Vou dar-lhe água diz baixinho. Não vou sair daqui diz baixinho. Vou dar-lhe medicação diz baixinho. Vou virá-lo diz baixinho.
Adormece.

domingo, 9 de março de 2008

A primeira noite.

Fui contratada para subtituir a enfermeira Celina. Uma menina amorosa minhota pois claro. Gostei dela mal a vi, recebeu-me de braços abertos e foi uma grande ajuda nesta primeira semana. Fiquei com o emprego dela, o quarto dela. Em troca dei-lhe um lugar no meu coração.
Ontem fomos para Faro. Dia da mulher, noite da Celina. Muita dança (que saudades!), muito riso, algum choro, uns copos a mais, muita alegria e uma conta grande de táxi para pagar.
Valeu a pena:) Voa Celina... o mundo é grande!

Hoje é também a primeira noite de trabalho. Ontem só saí para ganhar ritmo. Assim vou com os sonos em dia:D

sábado, 8 de março de 2008

Entre nós.

Hoje de manhã fui dar mais uma voltinha pela Vila. Pelo meu caminho encontrei uma daquelas lojas de fotografias que expõem as suas belas obras de pura parolice. Na montra estava um quadro como sugestão para o dia do pai. A foto de uma criancinha com uma grande frase em cima onde se lia:

"Amigo é aquele que diz vai em frente. Pai é aquele que diz eu vou contigo"

Nat, obrigada por seres meu pai:)

Até amanhã*

Dá gosto

Todos os dias volto feliz e aliviada para casa. Cada utente teve direito ao melhor cuidado a toda a atenção e aos melhores recursos. Não trago comigo aquela sensação de antes, de que devia ter feito melhor mas não tinha como. Aqui tudo está ao meu alcance para proporcionar qualidade e dignidade pelo Ser Humano em toda a sua condição.
Sinto me abençoada.

Hoje o Sr. Guerra que insiste em dizer que só é da paz disse-me:

"- oh enfermeraa Diana a Sra. tê cara de santa"
"- Santa eu sr. Guerra?"
"- Atão na tê? os santos lá da paróquia nao me servem de nada e a "enfermêra" vem sempre a rir-se pra mi, só de a ver chegar já me sinto logo melhor"

O meu balão enche e voo... :)

Fazer bem feito não exige apenas vontade. Muitas vezes não é possível aos enfermeiros fazerem melhor. Ou porque não tem tempo, ou porque não tem material e são obrigados a desenrascarem-se como podem. Os doentes ressentem-se e nós vamos para casa frustrados.
Hoje, apesar de ser já noite serrada e ainda não estar muito habituada ao carro e ao caminho, voltei livre. Livre e feliz.
Dá gosto:)

quinta-feira, 6 de março de 2008

Quando a distância é grande não há santo que desconfie

:)

Este blog nasce de uma promessa. No dia em que arranjasse emprego como Enfermeira criaria o meu primeiro blog para contar a felicidade que sinto na minha profissão.
Fiz birra durante o tempo de desempregada, sete desesperantes meses.
Desde o dia 29 de fevereiro ( só o posso festejar daqui a 4 anos:D) que o balão voltou a encher dentro de mim. Parti de Viana do Castelo rumo a S. Brás de Alportel, do outro lado do país.
E a minha vida mudou.
 
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