quinta-feira, 1 de maio de 2008

Noites seguidas.

A viver ao contrário, é assim que me sinto. Trabalhar rir e comer à noite. Dormir até ao sol já estar posto. Com tantas noites seguidas tenho descoberto algumas características minhas. Descoberto como quem diz, porque já as conheço há muito tempo, mas durante a noite estão aumentadas. Há doentes que me reconhecem antes de abrirem os olhos quando vou ao encontro deles durante a noite. Reconhecem-me o toque. Tenho sempre as mãos frias, geladas. E apesar de ser noite dizem-me sempre qualquer coisa. Alguns trazem carinho na voz mas outros ficam realmente aborrecidos e fazem questão de dize-lo. Como os compreendo! Não há coisa que tolere menos do que o frio. Não suporto simplesmente. Estar a dormir descansadamente e receber, mesmo que ao de leve um toque gelado de alguém que nos quer ajudar a mudar de posição (como se já não bastasse ter de acordar, ser destapado, sentir algumas dores ao ser mobilizado, e ter de voltar a adormecer) não deve ser fácil de tolerar. Por isso peço desculpa. Não tento remediar a situação. Passo a vida com as mãos debaixo de água e sabão por isso, mesmo que as mantenha activas nunca estão quentes. Peço desculpa e tento não falar muito. Ser rápida, eficaz e continuar.
Ontem terminei a ronda das 4h na D. A. Uma senhora de 70 e alguns anos de quem gosto muito. Sempre que acorda fala como se nunca tivesse estado a dormir. Tem sempre coisas a dizer e embora chore muito por saudades do seu marido, a nós trata-nos sempre com muito amor e agradecimento.
- oh meu amor meu amor. Quem és tu? A minha cabeça a minha cabeça. Não me lembro dos nomes, já não me lembro dos nomes. A minha memória. Tenho saudades do meu marido, queria o meu marido. Já fiz na cama? Que horas são? Ai a minha cabeça, que não se lembra de nada.
Pára quando sente que a toco.
-Que mãos frias! Ai que mãos frias!
Desculpe D. A, tenho sempre as mãos frias não é? Vamos lá tratar disto rápido para dormir depressa.
- Não faz mal. Eu também tenho as mãos frias. Quando tiveres a minha idade e for eu a tratar de ti também as vais sentir e não vais ficar zangada. Pois não?
Prometo que não:)

7 comentários:

Alecrim disse...

ui...
as lágrimas na garganta no final do teu post...

Anónimo disse...

Que ternura minha querida! Que experiência tão enriquecidora que está a ter!Também eu tenho sempre as mãos frias mas tenho a certeza que as suas são tão suaves e que transmitem o calor que vai nesse coração!
Mais não consigo agora transmitir...!Sei que sabe o quando gosto de si e isso...basta-me! Mil beijos da BACOUCA

nat disse...

:')

Vb disse...

Olá..Gosto da tua forma de escrever... Essa imagem das mãos frias é espectacular.

Bom fim de semana independentemente da forma como o vais passar.

bj

vb

Sari disse...

Tenho vindo aqui várias vezes e quando saio sinto vontade de te deixar algumas palavras, mas nunca se proporcionou! Hoje não resisti!
Este post tocou-me particularmente, há coisas às quais não se cria imunidade e ainda bem. Arrepiaste-me!
Partilhamos a mesma profissão mas em áreas distintas, eu estou a trabalhar em obstetrícia, uma área feliz da enfermagem e considero a área em que trabalhas uma das mais enriquecedoras desta profissão!
Tal como a ti, incomoda-me ter de acordar alguém durante a noite, tento acordar as "recém-mamãs com medo de tudo" com um toquezinho suave ou chamo-as ao de leve, num sussurro mas, por vezes, não consigo evitar que se sobressaltem e ainda são elas que me pedem desculpa. Se fosse ao contrário...

Quanto às mãos frias também são o meu forte, mas como se diz, "mãos frias coração quente." Não é?
:o)

Bjinhos e bom trabalho

Sari

Carla Morais disse...

Mas um episódio tão bonito do teu dia-a-dia no trabalho! Obrigada por partilhares connosco!
:'-)

ANDARILHO disse...

LINDO!

:)

 
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