quinta-feira, 3 de julho de 2008

Love is in the air

Tinha uma cara séria. Parecia que a vida lhe tinha batido. Chegou triste e calada e respondia-me a quase todas as perguntas sem se expressar. Olhos caídos, olhos fixos no chão. Quando brincava com ela, dizendo coisas parvas que me vou lembrando ao longo dos turnos, não achava muita piada e eu engolia o que dizia, pedia desculpas e desaparecia por uns tempos. Voltava de mansinho, esperando que o olhar de fera tivesse desaparecido.
Há uns dias encontrei-a estranhamente a sorrir. A sorrir e a voar, porque estava sem sombra de dúvida longe… muito longe daquele quarto de hospital. Deitada na cama, olhar pela janela com um sorriso de quem está apaixonada. Meti-me com ela…
Está a ver passarinhos S.?
Riu-se muito (eu estranhei ainda mais). Já sabia de um suposto romance entre ela e o J. Ele compra-lhe gelados e gosta de lhe dar a mão quando está perto. Sempre que pode, pega na sua canadiana e percorre todo o corredor, a um passo apressado para chegar até ela. Ficam a conversar no quarto, entro de mansinho e meto-me com os dois. Tenho que cumprir o meu dever alertando-os para os limites de um suposto romance, mas pisco-lhes o olho à saída, como se pudesse ser um pouco cúmplice.
Ela gosta. E quando pode chama-me para falar. Precisa de partilhar com alguém, e eu gosto de a ouvir. A incrível transformação de uma mulher magoada, ressentida, para uma que se apaixona. Disse-me que estar apaixonada é muito bom. Que até dorme melhor. Eu, metida como sou, preguei-lhe logo a história do balão. Da forma como ele enche quando deixamos a felicidade entrar. De como estava feliz de a ver assim. De como se reconhecia na cara dela um sentimento bom.
Ela continuou a sorrir.
Fiquei sentada a ouvi-la todo o tempo que pude. Mas vi-o espreitar na porta.
Pensei: eu tenho que a manter a ordem. Não posso deixa-lo entrar no quarto dela à noite. E tenho de ficar de vigia. Tenho de fazer cumprir as regras. Tenho de explicar-lhes isso. Tenho de o encaminhar até o quarto dele, seriamente dizer-lhe que não volte a deslocar-se ao quarto da S. Tenho que fazer isso tudo e dizer isso tudo. E fiz e disse. (baixinho e com excepções, e dando-lhe 2 minutos).
E no fim, quando a apanhei novamente a sonhar acordada e a gargalhar por lhe perguntar a cor das borboletas, ela agradece-me muito. E eu agradeço também.

5 comentários:

Anónimo disse...

À sua linda narrativa da descoberta do amor por dois seres que estão no Centro, reparo que ainda não houve comentários e pergunto:
- Será assim já tão raro essa sensação que a Di tão bem descreve?
- Será que não há palavras para comentar esta história tão linda?
Para ambas as "hipóteses" não quero de todo,aceitar! Prefiro pensar que todo o mundo está de férias menos a BACOUCA!
É o sentimento mais puro pois é expontâneo, desinteressado e não escolhe as pessoas ou as suas idades: surge como uma bola de sabão soprada por algo invisível e que flutua e sobe!!!
Compreendo que tem que fazer respeitar as regras internas do Centro mas continue assim para este caso: um olho fechado e outro ... semi-aberto!
Mil beijos da BACOUCA (que está cheia de saudades porque nunca mais falamos no messenger - não sei como se escreve isto em letras pequeninas para ninguém saber como sou uma "pinga amores"!

Anónimo disse...

It's a sight to behold
When you've got some old words to mold
And you can make 'em your own

Still love it would be much better
Love it would be much better
I'm told

It's like golden corn
And I love its golden glow
It's the little head inside your little hole
And out spring some sparkling thoughts

Still love it would be much better
Love it would be much better
Love it would be much better
Love it would be much better

It's like finding hope
In an old folk song
That you've never ever heard
Still you know every word
And for sure you can sing along

But love it would be much better
Love it would be much better
Love it would be much better
Love it would be much better
I know, I know

Carla Morais disse...

que linda história!

(e linda, esta bacouca!)

Pikuz disse...

Oi oi Dingalas :)

Bonita historia... mas sejam mais compreensivos com os pombinhos, va... eles merecem ;)

Cara BACOUCA, eu ca ainda n tou de ferias! Estou de pre-ferias... loooole... por isso ainda n tinha comentado.

Aproveito tambem para sugerir a este anonimo rei dos versos de cancoes americanas (Di desculpa, mas tinha que comentar isto), que ou escreva alguma coisa de jeito, ou pelo menos diga o titulo dos ditos versos, aparentemente tao fabulosamente aplicados aos comentarios da Di!

Para ti Di, um beijo por mais um grande post :)

Anónimo disse...

Pikuz,
Não te preocupes, os versos não são para ti. :)
E cada um escreve a seu jeito e do seu jeito.
para quem é, compreende o jeito.

mas para te satisfazer a curiosidade:
"Sight to Behold" Devendra Banhart

 
Site Meter