terça-feira, 24 de junho de 2008

Não é sonolência, é sono.

As noites no hospital custam muito a passar. Custam aos doentes e custam a quem tem que se manter alerta. No início de um turno da noite nunca sabemos o que nos espera mas a frase desejando uma noite calma nunca é dita. (dizem que dá azar;))
Silêncio interrompido. Campainha que toca. A luz acende. A Diana lá vai. Vou devagarinho… só espero que não acorde mais ninguém. Costumo dizer que uma campainha nunca toca só. E não toca. Lamento não ser a mesma às 5h da manhã. Não ter a mesma capacidade para ser compreensiva. Às vezes sei que não me rio, sei que não falo muito, nem ouço muito, só incentivo o sono, o descanso e faço o que é necessário. Há dias em que tudo o que está na minha cabeça é que o turno passe e as 9 horas da manhã cheguem depressa. Há dias em que sou mais a Diana e menos a enfermeira. Hoje já fiz manhã e a noite de trabalho pela frente diz-me que o melhor será dormir agora. Agora enquanto há silêncio porque trabalho por estas bandas não tem faltado ultimamente.
Durante a noite no hospital muitos velhinhos desorientam e alucinam. Alguns pedem-me bacalhau, outros vêem pessoas que voam à volta deles, bolas gigantes e objectos estranhos. Chamam por ajuda. A campainha toca, a luz acende. Lá vai a Diana. Penso em ser mais enfermeira e menos Diana. Ouço as histórias mais estranhas. Rio-me baixinho e digo que vai passar. Às vezes ando à procura dos pseudo fantasmas só para garantir que não estão escondidos em lado nenhum. Vá pode dormir descansado. Se a bruxa na vassoura andar por aí… agora vai comigo. E chamo por ela e vamos embora as duas. Há os que acreditam que convenço qualquer bruxa a acompanhar-me, mas há uns que ainda vou no fundo do corredor e já tocaram outra vez. Porque eu levei a bruxa, mas o seu gato não se cala. O gato! Como me esqueci do gato…

Gerir tudo não é fácil quando o nosso corpo e nossa cabeça nos pedem descanso. E quando os companheiros de quarto dos doentes que desorientam nos pedem sossego. Acho que os enfermeiros precisam de uma luz divina. De um poder. De serem mais enfermeiros e menos pessoas. De estarem sempre disponíveis. De saberem colocar-se no lugar do outro. Deste que está à nossa frente. De não nos irritarmos. De não perdermos a cabeça. Mas os enfermeiros não são só enfermeiros. E a maior batalha entre mim e a minha profissão tem sido travada contra um inimigo difícil. O sono.

4 comentários:

Anónimo disse...

Minha querida, Diana e enfermeira são só uma pessoa e ainda bem que assim é!

O sono é muito difícil de vencer e de ajudar a gerir situações: trabalhando de manhã e à noite é muio violento. Muito faz minha querida pois há enfermeiros(as) que não estão para procurar bruxas nem andar atrás do gato...!

Lembro-me que, mesmo para os doentes a noite é muito longa e quando estive aquele tempo nos cuidados intensivos também havia "alucinações" dessas nos meus companheiros. Lembro-me de uma que berrava pois estava algo a pegar fogo. O enfermeiro chegava e dizia: tem razão já vou apagar! Era o frasco de betadine vermelho que ele escondia!

Quem trata de pessoas, sejam médicos, enfermeiros, terapeutas, e sendo dignos da sua profissão, são sem dúvida abençoados, mas nunca deixam de ser seres humanos a quem chamamos "anjos".

Quando souber que faz noite nunca mais lhe desejo uma noite calma mas sim, como no teatro: merda!

Um beijo cheio de ternura da BACOUCA

Pikuz disse...

E pá, não só é um regalo ver-te escrever mas também os sempre pontuais e acertados comentários da nossa cara Bacouca! :)

Quanto ao que escreves... iluminados sejam muitas vezes aqueles que "caminham" muito "sozinhos" no seu trabalho. Desgastam todas as suas energias num ápice e nem dão por ela! E são sempre pessoas antes de profissionais! Ser profissional sem ser pessoa não faria sentido... ser mau profissional pode idicar ser má pessoa, e também vice-versa! Sorte a dos teus doentes e também nossa que és amba muito boa nas duas coisas :)

Força, ó voadora! Mas, antes disse, um bom descanso antes de cada turno... ah!!! e muita ramboia, porque isso funcionar como um potenciador energético ;)

Beijo

Carla Morais disse...

Para nós, do lado de cá, é muito fácil querer que nos tratem com todo o carinho pois afinal estamos no hospital com o nosso bebé doente. Mas do outro lado está alguém que faz aquilo todo o dia, todos os dias. E nem todos têm essa alma luminosa que tu tens. É pena...

(acho que roubava a folha das escalas para saber o teu horário para ser atendida só por ti! ;-) )

Unknown disse...

Revejo-me no que escreveste, claro. Dos tempos em que as noites eram uma angústia e me sentia muito sózinha e desrespeitada (eu e os meus doentes, internados em serviços que lhes retiravam o resto de dignidade). Neste momento, no seviço onde trabalho, tem uma coisa muito boa. Somos várias...
Beijinhos da Ana Cristina

 
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