domingo, 16 de novembro de 2008

O que é dificil?

Fui a Faro acompanhar o Sr. V. a tirar o passaporte. Fomos nas ambulâncias dos bombeiros, veículos medonhos de tão velhos fartos de subir e descer a serra. Ele deitadinho na maca, eu num banquinho sentada ao lado dele. Ponho-lhe o meu braço por cima do peito para garantir que não cai na curva seguinte.
Chegámos. A entrada no edifício não foi fácil, subida para o passeio também não. A cabine de atendimento é pequena de mais para quem está sentado numa cadeira de rodas e o balcão, alto, não permite que um deficiente se desenrasque por si só. A máquina que tira as fotografias não conseguiu nenhuma que servisse. A câmara estava a um nível que não possibilitava que a fotografia fosse aceite para o documento.
Parte de assinar. O Sr. V. pede-me a sua tala. Uma ajuda técnica, em forma de luva que encaixa na sua mão e lhe permite colocar lá uma caneta para que escreva. Acontece que agora, com a digitalização da assinatura a caneta é uma específica, mais grossa do que as habituais e não cabia na tala.
A determinação não o deixou desistir. Falha a trás de falha e ele sempre, a adaptar-se, a ter esperança, a pedir ajuda a tentar planos alternativos.
-“ Enfermeira segure-me na caneta. Encoste-a à tala e apoie-me o punho!”
E tentou. Tentou.
Muito diferente da assinatura do B.I. o sistema deu erro.
Tentou de novo. Trémulo, suado. Tentou e tentou.
-“Segure bem enfermeira! Segure bem!”.
A funcionária, muito simpática e cuidadosa, também ela embaraçada e triste com a situação ia assistindo comigo a tanta discriminação e tentando remediar como podia.
Tentou explicar que não ia ser possível. E eu tentei explicar-lhe as dificuldades que um tetraplégico tem. As limitações. O quão difícil seria para este homem, na sua condição física, fazer duas assinaturas exactamente iguais.
E ia pensando como era isto possível. Como?
A frustração deixou-o muito triste.
Deitadinho na maca, com o meu braço por cima voltámos para a ambulância e regressámos. Pelo caminho voltou a rir-se, com as peripécias da viagem. Serra acima, eu a contar os sinais vermelhos que passávamos, a forma como isto me faz tremer, os enjoos. O medo que as fitas que o seguram se soltem, como infelizmente também já aconteceu.
As minhas queixas que o fazem rir. E é bom saber isso. A mim também deviam fazer.
A nós todos.

3 comentários:

Anónimo disse...

Minha querida:
Juro que talvez poucas vezes da minha vida(julgo que se contam pelos dedos de uma mão)senti uma indignação tão grande por pertencer a este país ao ler as peripécias do Sr. V. com a Di para tirar um passaporte sendo deficiente! Que tristeza minha querida! E o Sr. V ainda tinha o apoio moral e elucidado da Di: quantos têm sómente o apoio de pessoas iletradas, sendo tratados por saberem disso,pelo pessoal pago pelos nossos impostos,com total desrespeito e desumanidade.
Que se façam estádios de futebol,aeroportos, TGV, autoestradas,resorts,campos de golfe (e o diabo que os carregue que agora não me ocorre mais nada com a vergonha que sinto)e deixemos esqueçer os necessitados, os deficientes, as crianças os idosos e depois...fechemos este país e deitemos a chave ao mar porque continuamos a ser um país de bananas governados por uns sacanas!!!
Um beijo pela coragem e dignidade de expor este caso e como eu disse num post no meu espaço:aceitam-se inscrições para mais padeiras de Aljubarrota!

Bacouca disse...

Talvez por ainda não me ter sido atribuido um "magalhães" tenho que fazer umas "geringonças" para não aparecer como anónima nos comentários que faço!
Já agora o meu post sobre as candidaturas é de 15/7/2008!
Caraças,aí sim ria-me se aparecessem interessadas!

Nuno Brito Lopes disse...

Ja tinha lido outro dia mas agora apeteceu-me mesmo passar aqui e deixar-te um beijo.

 
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