quinta-feira, 25 de outubro de 2012

G.



Os velhinhos deviam estar mais protegidos das decisões dos outros. É que lhes escondem diagnósticos e decidem por eles assim sem mais nem menos. Em nome do bem maior penso eu, porque é nossa mãe, nosso pai, meu avô e eu quero o melhor para ele. Quero que viva muitos anos, quero que esteja cá para sempre.
E depois espetamos-lhes agulhas, damos-lhes anestesias, cortamos, cozemos, deixamos marcas, nódoas negras em todo o lado.  Dizemos que é só desta vez, não mecha o braço que passa já, fique quietinho que doí menos.
A minha velhinha dos últimos turnos, estava calada desde que começaram a decidir tudo por ela. Foi operada, foi algaliada, entubada, sedada, acordada. Espeta agulha, tira sangue, dá-se antibiótico. Ontem tentava eu dar-lhe um chá doce à colher e ela de boca cerrada. E eu pedia-lhe para a abrir, para começar a comer, que era melhor, que ia ajudar, que estava morninho, que era bom e ela nada.
 Chegou a filha e os olhos dela arregalaram-se como se de repente ficasse lúcida. Leva-me daqui pediu ela, leva-me contigo filha… Então bebe o chá, bebe o chá que eu levo-te comigo. Bebe o chá e vamos juntas para casa. E ela bebeu, uma colher, depois outra e o chá a desaparecer da tigela.
Estava encolhidinha na cama quando lhe apaguei a luz no fim do turno. Calada, de olhar distante, quase indiferente. Que triste que estava a G.
 
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