Há muito tempo que não falo dos meus doentes. Há muito tempo que o meu emprego não me dá a mesma satisfação de antes. Não sei quando perdi a vontade mas sei que me dá muita tristeza. Sei o quanto me custa não dar o melhor de mim a quem precisava que eu fosse perfeita sempre e que merecia que eu fosse capaz todos os dias.
Talvez esta frustração que sinta seja peça fundamental no processo de mudança. Para que as coisas mudem amanhã, precisamos de as sentir incompletas nalgum dia.

Por isso é que hoje me soube a rajada de ar fresco.
O senhor A. 83 anos deu entrada no serviço enfiado de tão magrinho no branco da maca. Depois de uma manhã de trabalho terrível, daquelas que me deixam totalmente fracassada, fui cuidar dele. Recebi-o. Peguei-lhe na mão e apresentei-me. Dei-lhe banho com chuveiro, disse-lhe que não usaria mais fralda, vesti-lhe roupa lavada e posicionei-o na cama. Dei-lhe o almoço e no final lavei-lhe a boca. Aconcheguei-o e disse-lhe que agora ia dormir.
Ele pediu a minha mão com a sua, apertou-a como que se quisesse dar-me um sinal. Olhei-o nos olhos quando me falou pela primeira vez.
- “Tu és um anjo”
O que senti foi como se me devolvessem o ar. Como se me fosse dado de novo fôlego quando já não havia esperança de sobreviver à asfixia.

É muito bonita a gratidão.