terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste

A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos

A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"

Sérgio Godinho*

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011


O meu coração voltou de Londres e agora está aqui a brilhar-me na sala. E enquanto olho para ele penso no tempo que já passou, nas velas que já lhe pus dentro para que não parasse de brilhar. Eu quero o meu coração com luz, brilhante, quentinho.
Ao lado dele também já cá está o meu farol. Estamos todos juntos outra vez e acreditamos.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

J.


Tenho pensado na J. porque vim de férias e não sei se a encontro quando regressar. Porque passei vários turnos, vários dias, muitas noites com ela, a calibrar o oxigénio, a pôr-lhe pomada nas nódoas negras das agulhas, e fazer-lhe alongamentos nas pernas todas as vezes que ela me pedia.
Quando lhe contaram que ia morrer a J. não verteu uma lágrima. E disse que ia querer prolongar a vida até mais não poder ser. E por isso iniciou a quimioterapia, pediu plantas floridas para o quarto, espalhou fotografias nas paredes, e coloca no parapeito da janela do quarto, todos os postais maravilhosos que os amigos lhe enviam das mais diferentes terras no mundo, cheios de mensagens de amor e esperança, que ela relê com orgulho muitas vezes. Não sei se a J. não quer desistir ou se, por outro lado, está preparada e sem medos para partir. É incrível como ela suporta a dor e o mal-estar intacta e serena. Não gosta que ninguém faça nada por ela, ou a tratem como diminuída, por isso caminha todos os dias pelo corredor com a garrafa de oxigénio na mão, deixou de fumar, ainda lê todos os jornais, e finge não perceber as lágrimas escondidas que a família vai deixando cair quando a visita. Quase todos os dias elogia a comida do hospital, nos agradece os cuidados, nos motiva, nos fala das coisas boas da vida dela e, mesmo quando lhe falho a veia já demasiado fina, diz me que faço tudo muito bem.
Sei que mesmo que a volte a encontrar ela já não parecerá a mesma. Porque os dias vão levando com eles pedaços dela, e a morte a vai moldando. Vai ganhando sobre o tempo, vai desfigurando. Tanto..

domingo, 4 de dezembro de 2011

 
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