terça-feira, 26 de março de 2013

Eveline


Eu cuidei da Eveline dois ou três turnos. Primeiro estava ela ainda muito desorientada, dizia-me muitas vezes que tinha o "cérebro morto" que não sabia onde estava a memória dela, a força das pernas, a escolha fácil de palavras para pedir, descrever ou dizer o que queria.

Noventa e nove anos de mulher. Nós dizíamos sempre em tom de brincadeira que o objectivo do internamento seria que ela alcançasse os cem.
Quando me despedi dela no meu ultimo turno pediu-me a morada da minha nova casa. Prometeu-me com ar muito seguro e olhos nos olhos que me mandaria um postal no dia em festejasse os seus cem anos de vida. Eu fiquei tão emocionada que não me contive, nem me quis conter. Tinha todas as emoções a fervilharem na minha pele, não tinha tido ainda tempo para reflectir sobre nada, para absorver. Então fiquei junto dela e foi lá que parei para pensar. De mão dada comigo, a elogiar-me sem limites, como se me quisesse fazer acreditar nas palavras que dizia. Eu em silencio, parada, a ouvir o bater do meu próprio coração.
Foi ali, naquele momento, que senti pela primeira vez que era real, que um livro se fechava. Anos depois um novo começo. Foi ali.

Aguardo o seu postal Eveline*

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