segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

J.


Tenho pensado na J. porque vim de férias e não sei se a encontro quando regressar. Porque passei vários turnos, vários dias, muitas noites com ela, a calibrar o oxigénio, a pôr-lhe pomada nas nódoas negras das agulhas, e fazer-lhe alongamentos nas pernas todas as vezes que ela me pedia.
Quando lhe contaram que ia morrer a J. não verteu uma lágrima. E disse que ia querer prolongar a vida até mais não poder ser. E por isso iniciou a quimioterapia, pediu plantas floridas para o quarto, espalhou fotografias nas paredes, e coloca no parapeito da janela do quarto, todos os postais maravilhosos que os amigos lhe enviam das mais diferentes terras no mundo, cheios de mensagens de amor e esperança, que ela relê com orgulho muitas vezes. Não sei se a J. não quer desistir ou se, por outro lado, está preparada e sem medos para partir. É incrível como ela suporta a dor e o mal-estar intacta e serena. Não gosta que ninguém faça nada por ela, ou a tratem como diminuída, por isso caminha todos os dias pelo corredor com a garrafa de oxigénio na mão, deixou de fumar, ainda lê todos os jornais, e finge não perceber as lágrimas escondidas que a família vai deixando cair quando a visita. Quase todos os dias elogia a comida do hospital, nos agradece os cuidados, nos motiva, nos fala das coisas boas da vida dela e, mesmo quando lhe falho a veia já demasiado fina, diz me que faço tudo muito bem.
Sei que mesmo que a volte a encontrar ela já não parecerá a mesma. Porque os dias vão levando com eles pedaços dela, e a morte a vai moldando. Vai ganhando sobre o tempo, vai desfigurando. Tanto..

3 comentários:

Carla Morais disse...

Meu Deus... querida Di, estes seus textos tristes têm sempre pelo menos um efeito positivo: darmos graças a Deus de termos saúde (e, no meu caso, filhos com saúde!). E ainda sermos mais um a rezar pela J.

Coquinhas disse...

Querida Di. Não sei se alguma vez já comentei o teu blog mas leio-o muitas vezes. E não gosto. Adoro. É bom saber que há profissionais como tu. Profissionais que dão o melhor de si. Se dedicam e vão para "casa" a pensar naqueles que deixaram no trabalho. Pessoas que muitas vezes nem têm quem pense nelas. Quando há pessoas assim os doentes ficam melhores, porque vocês alimentam-lhes a esperança. A minha avó de vez em quando já tinha que ir fazer umas "visitinhas" ao hospital. Ficava na cardiologia e era tão bem tratada, com tanto amor e carinho que nem se "importava" quando ia para lá. Mas ela também retribuía tudo o que lhe davam. Um dia foi internada noutra especialidade e o tratamento foi mau, fraco, e um pouco desumano. Nada de mais é certo, mas os doentes não podem assim ser tratados. A partir daí tomou medo, e sei que se tiver que ir para a cardiologia ela vai, para outro sítio não. E isto só para dizer que os profissionais fazem toda a diferença num serviço hospitalar (em tudo na vida) e que acredito seriamente que será um prazer para qualquer pessoa que já tem a infelicidade de estar doente ser tratada por uma pessoa como tu. Obrigada pelo teu profisionalismo, apesar de o conhecer apenas pelos relatos aqui contados :) (E agora desculpa o tratamento por tu :x)

di disse...

Obrigada querida Coquinhas.

 
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